Acordar cantando como uma das princesas da Disney e um belo sorriso em um rosto sem olheiras e os lábios avermelhados enquanto toma um belo café na varanda entoando os mantras de gratidão para começar o dia. Que coisa mais linda, não é mesmo?
Uma pena que a vida não é assim.
Quer dizer…pode até ser que tenhamos dias assim em que acordamos nos sentimos as pessoas mais especiais e energizadas do mundo. Com as ideias a mil e os planos de mudar o mundo na agenda e pronto pra agir.
Só que a vida real. Aquela vida real que chama o professor de volta a realidade pandêmica já tão massacrada e dolorosa. Esta mesma. Ela vem como um boxeador as vezes, e sem saber de onde, você toma um cruzado e o que vem a seguir é simplesmente teto preto, boca seca e uma vontade de ficar o dia todo em posição fetal chorando.
Lidar com outras pessoas por si só já é uma jornada difícil e muito complexa.
Imagina você cuidar do processo educativo dos filhos dos outros. Dos futuros herdeiros, médicos e advogados da nação.
Quantas vezes o professor é culpado por toda e qualquer falha de um sistema que já vem falho e ultrapassado a décadas? Quantas vezes ele recebe todos os rótulos negativos que se pode imaginar (afinal toda boa história precisa do herói, do anti-herói e do vilão)?
Sempre despertou o pior em mim esse descaso com a profissão que gera outras profissões. Sempre me incomodou uma nação toda que simplesmente não consegue olhar para este profissional e ver que tudo pode ser diferente se apostássemos neles, o que apostamos nos jogadores de futebol.
Enquanto abraço a Malévola em mim e aposto em aulas particulares, tento manter aquilo que seria chamado de sanidade mental.
Tentei várias coisas já. Falhei miseravelmente em muitas.
Meditação, por exemplo, vai ser sempre algo que vai me desafiar mas que me faz bem, (dizem os gurus mundo afora que essas coisas são as tais das coisas que mais valem a pena não é mesmo?). Minha mente de pessoa ansiosa, sempre a milhão, sempre busca escapar do processo de mindfulness e do silêncio pacificador que a meditação provoca. E o lado nerd em mim que já estudou sobre meditação sabe que, a meditação tem benefícios científicos comprovados. Então continuo na minha busca pelo equilíbrio.
Atividades físicas sempre me consolam. Prefiro socar o saco do que a boca de alguém (sem contar que não perco meu réu primário, não gasto com advogado e tenho um pecado a menos pra minha já tão longa lista).
Café e vinho são companheiros meus de longa data. Amo de paixão o cheiro deles, o sabor deles, ler sobre eles e ler enquanto estou na companhia deles.
Tem algo de bucólico e melancólico neles. Apaixonada pelos livros que sou, ainda busco uma palavra que defina a sensação que tenho ao beber o primeiro gole de café quentinho pela manhã, ou um Malbec num final de noite estressante. Como se eles te abraçassem por dentro. Como se eles te dessem um tapinha nas costas e dissessem: “eita mundão véio sem porteira”.
Mas as vezes tudo isso não é suficiente. Nos últimos anos tenho uma psicóloga para me ouvir gritar e reclamar sobre todas as minhas insatisfações e frustrações do mundo ( e devo te contar que ela cobra pouco pelo tanto de insatisfação e frustração que tenho com um mundo que ainda precisa ser explicado como redondo!!!).
E quando eu posso me dar ao luxo máximo da vida do professor e tirar o fim de semana de folga, eu quero o mar e o mato. Trilha e praia. Nada como o cheiro do mato molhado e o barulho dos bichos roçando no mato para renovar as energias e não querer pegar os “bixos” da cidade na porrada.
Se você leu até aqui caro amigo professor, saiba que é normal você estar odiando tudo e todos. Saiba que é normal você querer jogar tudo pro alto e fugir pra uma vila no meio do nada na Itália e viver de uma plantação de chuchu ou berinjela.
Você não está só. Sua raiva não é isolada.
Ninguém está bem!!
Estamos na mesma tempestade, em barcos diferentes, e os professores estão em uma canoa de bambu amarrada com fitilho que sobrou da festa junina do ano retrasado.
Devíamos normatizar algumas coisas:
sentir raiva
sentir frustração
sentir medo
querer desistir de tudo
psicólogos gratuitos para todos os professores (bem como vouchers para vinícolas e cafeterias)
Enquanto professores somos observados como máquinas. Não podemos ter emoções negativas ou destrutivas. Temos que ser fortes e heroicos o tempo todo. Mas os heróis estão cansados.
Num mundo ideal todos ganharíamos viagens pagas para algum lugar paradisíaco onde recarregaríamos nossas energias e então voltaríamos para uma sala de aula em um sistema educacional renovado em um governo que acredita na educação.
Mas enquanto essa utopia não se torna realidade (não podemos culpar uma sonhadora por sonhar afinal), seguimos na base do café morno, bolacha murcha e uma força de vontade pautada no idealismo infinito de que ainda temos a capacidade de mudar o mundo. Uma criança por vez. Um aluno por vez. Um dia letivo por vez.